quarta-feira, 19 de março de 2014

Repostando: O que significa Lagoena?


Poucos me fizeram esta pergunta e já respondi algumas vezes, mas nunca esclareci o mistério dessa palavra aqui no blog (Confissões Desajustadas).

No sentido mais bruto e comum da palavra Lagoena em latim é "garrafa" ou partindo para o estudo da semântica podemos considerar o prefixo "lago" como parte de um continente ou conteúdo. Encontrei esta palavra em algum dicionário virtual, gostei da sonoridade e o seu sentido se encaixava bem no livro que escrevia na época, então batizei meu mundo imaginário de Lagoena.



E é sobre isso que vou tratar nessa postagem, sobre os mundos imaginários que habitam em segredo dentro de nossa psique. Todos nós temos uma Terra Secreta onde vivem nossos desejos e instintos mais inconscientes. Estou querendo chegar a algo mais profundo escondido nas sombras de nossa alma, a nossa realidade inventada.

Sim, vivemos em dois mundos, o real e o imaginário, não fui eu quem inventou essa teoria ou cheguei a essa conclusão sozinha, o estudo da psicologia pode esclarecer melhor esse assunto, porém vou apenas dar uma pincelada aqui. Os dois mundos coexistem, não é preciso apagar a luz de um para que o outro apareça. Eles sempre estarão lá, ligados por um elo infinito, mas somente um desses mundos nos é particular. Existe um lado da moeda que ninguém é capaz de ver ou tocar a não ser nós mesmos, este é o segredo da nossa alma.

Um tesouro se acumula no porão escuro de nossa mente inconsciente, com sorte, os mais sensíveis conseguem tocá-lo e outros senti-lo. Há diferença entre tocar e sentir. O primeiro seria como tropeçar sem querer, logo se esquecendo da importância daquele contato, os que deixaram isso acontecer dificilmente voltarão a tropeçar de novo, estes vivem na margem da realidade, não tem fôlego suficiente para mergulhar fundo demais. Já o segundo, o sentir, tem uma carga mais intensa, poucos resistem ao peso, mas o que chegam lá já tem o seu mérito. Aquele que sente consegue ficar mais tempo em apnéia e, por conseguinte tem a oportunidade de conhecer o mundo oceânico que tem dentro de si. Com olhos bem abertos é possível descobrir os vales antes obscuros e encontrar uma pérola rara.

Imaginemos então que exista um dragão marinho escondendo um precioso tesouro e você é o único que sabe o segredo que o derrotará. Eu, você, nós, somos os únicos capazes de mergulhar tão fundo nos mundos surreais sem precisar abandonar a realidade. Fiquemos atentos a cada suspiro, é possível sentir o fluido etéreo soprado pela brisa marinha do inconsciente.

Provavelmente é possível conseguir esse encontro quando estamos relaxados, porém no momento tenso de dor este oceano misterioso também é capaz de desaguar, basta estar sensível. Encontramos esta sensibilidade maior entre os artistas. Isso não é novidade. Através de séculos a história misteriosa do homem é contada pela arte e não estou me restringindo somente à pictórica, a mais comum de qualquer tipo de expressão visual,  me refiro também à arte escrita, que detém muitos segredos inomináveis e incertos.

Por esse motivo e outros mais a arte sobrevive, são os poros por onde a realidade inconsciente da história humana respira.

Há 7 anos me vi tentada a desbravar o oceano imaginário. Os primeiros mergulhos foram tímidos, despretensiosos e totalmente inocentes, não fazia ideia por quais águas eu velejava. Dessa maneira inconsciente conheci a Lagoena que habitava dentro de mim, sim, era o começo de uma aventura num mundo engarrafado, preso na memória que se esquivava de qualquer facho de luz - a minha realidade inventada.

Stephen Koch no seu livro Oficina de Escritores aconselha aos novos no ofício a deixar  com facilidade de acessos suas memórias para a consulta da criação. São as memórias que guiarão a construção de sua próxima história. Não é por acaso que encontramos o mundo particular do autor camuflado de alguma forma em seu livro. Uma história não parte do nada, ela se origina de uma memória e não há vergonha alguma em admitir isso. A ideia de  partir do nada é enganosa, soa falsa e dificilmente convencerá alguém.

É preciso ter um fato real de nossa memória guardada a sete chaves no nosso inconsciente e transportá-la para nosso consciente, o mundo real.

A trama ficcional que construí se passa numa realidade imaginada, popularmente conhecida como fantasia. Essa realidade antes particular ganhou uma linguagem escrita e tomou forma baseada nas memórias que guardava sobre meu entendimento dos contos de fadas, a infância e medos. A fantasia é uma figura que ilustra nossos mundos interiores, nossa Terra Secreta, nossa Lagoena. Por isso admiro quem tem a ousadia de manipular essa magia, poucos têm coragem de fazer poesia com os segredos interiores, dos quais muitas vezes temos vergonha ou medo.

Outro dia, li uma entrevista em que o autor Eric Novello (Neon Azul, A Sombra no Sol, ed. Draco) revelava que seus primeiros tinham uma tendência a serem mais distantes de sua personalidade, enchia as páginas com um humor que admirava, mas que não o pertencia, o que foi frustrante na época. Posteriormente o autor se encontrou quando abandonou a máscara que tentava usar para disfarçar sua realidade. Eric queria escrever e precisava ser honesto para ser convincente, então mergulhou no seu oceano e deixou-se afogar por suas memórias, na sua verdade. (Leia a entrevista aqui)

Apesar de termos mundos solitários dentro de nós, eles não estão completamente isolados. Há uma ponte que os liga, um emaranhado de elos que se comunicam. Já ouviu falar do inconsciente coletivo? Não sou expert no assunto, mas entendo o inconsciente coletivo como uma rede de informações que não precisa de matéria para existir. Existe por si só como mais um elemento da natureza, mais uma obra de Deus.

Quando registramos nosso inconsciente de alguma maneira que o torne visual ou imaginado, só estamos concretizando-o em matéria e possível de ser compartilhado conscientemente, tornando-o realidade.

E Lagoena significa isso. É dividir e somar ao mesmo instante. É ser parte e o todo. É estar dentro  e fora. É ser real e imaginário.

É ser apenas um e existir.

Link original.

Laísa Couto

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